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Linguagem neutra não-binária (trecho de uma live)

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 Por Sergio Viula Esse é um trecho de uma live feita com @Sviula a convite de @carolina_carolino no perfil das @carolinas_da_borborema no Instagram em 07/04/24. Esse é apenas um trecho da nossa conversa e se refere ao uso da linguagem neutra não-binária. A live completa pode ser vista aqui: https://www.instagram.com/reel/C5en-hhvjuq . Nessa live, além de linguagem não binária, discutimos a falsamente chamada "cura gay", o Movimento LGBT+ no Brasil, temas relacionados à orientação sexual e identidades de gênero.  O trecho abaixo é apenas um recorte da live, mas considero que seja muito interessante e relevante para as diversas discussões sobre linguagem neutra na atualidade. Confira e siga o perfil dos participantes no Instagram. Carolina Carolino e Sergio Viula 07/04/24 Instagram: @carolinas_da_borborema

A homossexualidade é racionalmente justificável?



A homossexualidade é racionalmente justificável? 



Por Sergio Viula



Numa sociedade secularizada, nenhuma limitação de liberdades pode ser justificada sem argumentos racionais, razoáveis e providos de informação factual. Quando pensamos em sociedades secularizadas, os exemplos clássicos que nos vêm à mente são aquelas que constituem nações como Inglaterra, França, Alemanha, Suécia, Suíça, Noruega, Países Baixos, Canadá – só para citar alguns dos casos mais bem-sucedidos em termos de secularização nos campos político, social, cultural e econômico.

Em países considerados como seculares, não se admite a interferência de alegações de cunho religioso sem que estas passem pelo crivo da razão, da razoabilidade e do conhecimento científico. Quando se trata de determinar o que é moralmente certo ou errado, especialmente quando se trata de legislação e implementação de políticas públicas, esses países exigem justificativas que demonstrem de fato aquilo que se alega. 


Encontramos diversos níveis de secularização, dependendo da experiência de cada país. Alguns deles ainda são muito embrionários, outros já se encontram em estágios mais avançados de secularização e de humanismo.

No Brasil, por exemplo, ainda se vê muita interferência de doutrinas religiosas, com pouca ou nenhuma filtragem racional, razoável ou bem informada, na arena pública. Apesar dos notórios e notáveis avanços promovidos por secularistas ao longo dos últimos 100 anos, é comum vermos interlocutores religiosos impondo seu dogmatismo doutrinário sobre liberdades individuais que não precisam – e que não devem – ser cerceadas sem que sejam apresentadas justificativas embasadas em argumentos solidamente construídos pelo pensamento racional, razoável e bem informado.

Especialmente no campo da moral, pessoas imbuídas de dogmatismo religioso costumam acreditar que tenham alguma preeminência para determinar o que é certo ou errado com base em suas crenças, tradições, livros sagrados, líderes carismáticos e/ou deuses. Contudo, nada poderia estar mais longe da verdade. A moral secular tem se mostrado notoriamente superior a qualquer moral fincada em tradições religiosas. De fato, o que as religiões geralmente têm a apresentar são listas de regras, e muitas delas tão anacrônicas que já não resolvem sequer as questões mais simples do cotidiano.

A moral secular, por outro lado, baseia-se principalmente em não cercear nenhuma liberdade sem um motivo racional, razoável e bem informado para isso.

Além disso, a moral secular considera o bem-estar humano sem adiar a felicidade para supostos mundos vindouros ou esperar que algum deus faça justiça entre os homens. Outra coisa a se destacar é a empatia como ferramenta fundamental para a construção da moral secular.

Esse texto não tem a pretensão de ser acadêmico ou científico, mas apenas de refletir de modo simples e resumido sobre a pergunta "A homossexualidade é racionalmente justificável?". Abordarei o tema através de perguntas e respostas. Serão sete perguntas seguidas de respostas objetivas. Espero que ao final do texto, os leitores tenham percebido que não precisamos de alegações religiosas para estabelecer o que é moral, imoral ou amoral.


1. Qual é o argumento que justifica a homossexualidade como um comportamento moral?


A essa pergunta, contraponho outra: Qual é o argumento que diz que não?

O que é realmente racional aqui é começarmos garantindo-se todo o tipo de liberdade e depois começarmos a limitar aquelas liberdades cuja supressão for justificável mediante alguma razão racional, razoável e provida de informação verdadeira.

E aí, a pergunta que surge é “Qual é o problema em duas pessoas do mesmo gênero manterem um relacionamento romântico e/ou sexual?”

Se as respostas a essa pergunta forem que o livro sagrado X diz tal e tal coisa, essa alegação - que nem argumento é - não dá nem para a saída.

O recurso a algum livro sagrado, levanta outra questão: “Por que deveríamos considerar o livro sagrado X mais verdadeiro que qualquer outro livro?” E, de novo, se o argumento for que o livro sagrado X diz no capítulo tal, versículo tal, que ele é verdadeiro, isso não passará de mais uma alegação arbitrária, baseada em pensamento circular, e desprovida de qualquer demonstração. Aliás, isso é o que diversos livros sagrados, e contraditórios entre sim fazem, enquanto concorrem pela fé dos crédulos.


2. Doenças sexualmente transmissíveis e AIDS não seriam a prova de que a homossexualidade é um comportamento destrutivo?

Primeiramente, AIDS não é uma doença exclusivamente homossexual. Nunca foi. Há locais ao redor do globo onde as mulheres são as principais vítimas de infecção por HIV. No Brasil, os índices estão crescendo entre pessoas na terceira idade.

Curiosamente, o segmento menos afetado pelo HIV é o das mulheres que amam outras mulheres, ou seja, as lésbicas. Será que isso quer dizer que o amor entre duas mulheres é superior ao amor entre uma mulher e um homem, ou entre dois homens? Duvido que algum fundamentalista religioso diria que sim. Então, por que utilizam essa falácia sobre doenças sexualmente transmissíveis como suposta prova do que é moralmente correto ou moralmente errado quando se trata das sexualidades humanas?

Repito: O fato de haver risco de infecção ou mesmo morte não torna algo moralmente errado. Se assim fosse, seria moralmente errado praticar alpinismo, uma vez que os riscos de ferimentos, perda de membros e até morte são muito grandes. Mas, ninguém poderá argumentar racional e razoavelmente que o alpinismo é moralmente errado, ou que os alpinistas são uma aberração moral. 


Poderíamos aplicar esse mesmo raciocínio ao ato de dirigir um carro ou de pilotar uma motocicleta. Não são os riscos envolvidos numa atividade que a tornam moralmente certa ou errada.

Muita gente não sabe, mas existem mulheres africanas que são imunes à AIDS. O HIV entra em contato com o corpo delas, mas não consegue produzir a infecção. Muitas dessas mulheres trabalham como prostitutas. Poderíamos dizer, então, que sendo assim, a prostituição é moralmente correta?

Vejam bem, nenhuma justificativa racional ou razoável foi apresentada até hoje que justifique a proibição da prostituição quando feita sem coerção e para ganho pessoal.

A questão aqui é outra: Se a vulnerabilidade a alguma doença ou a imunidade a alguma doença são os critérios para se determinar o que é moralmente correto, nenhuma relação sexual é moralmente correta a priori e várias daquelas relações que os próprios religiosos dogmáticos condenam passam a ser moralmente inquestionáveis.

As mulheres prostitutas imunes à AIDS vivem em Nairóbi, Nigéria. A revista Galileu traz interessante matéria sobre elas:

Um grupo de pessoas que atrai cada vez mais a atenção dos cientistas está reacendendo a esperança de que uma vacina eficaz contra a epidemia de Aids apareça.

Chamados na literatura médica de 'expostos não-infectados', esses indivíduos possuem no corpo mecanismos capazes de barrar a infecção por HIV sem qualquer ajuda de medicamentos.

O exemplo mais conhecido - um grupo de cerca de 200 prostitutas encontradas em favelas de Nairóbi, no Quênia - foi descoberto há mais de uma década, mas só agora cientistas começam a entender o que pessoas como essas mulheres têm de especial no sistema imunológico (estrutura de defesa do organismo). A idéia é transformar o conhecimento em drogas ou vacinas que imitem essa natureza incomum.

Fonte: Revista Galileu


3. E os prejuízos que a homossexualidade causa à sociedade?

A pergunta que surge na sequência é: Quais prejuízos? Não me parece provável que algum dia, tais detratores dogmáticos da homossexualidade possam apresentar um só exemplo de prejuízo a terceiros que seja inerente ao simples fato de dois homens ou duas mulheres se amarem.

Por outro lado, os benefícios são diversos.

O benefício da adoção

Por exemplo, na Escócia, nos dois anos subsquentes à aprovação da adoção homoparental no país, o número de adoções dobrou. Isto que dizer que a minoria numérica homoafetiva adotou, em 2017, o mesmo número de crianças que a maioria esmagadora de heterossexuais no ano anterior - o que significa o dobro das crianças sem lar vivendo com pais ou mães amorosos que antes não podiam adotá-las mesmo que quisessem.

Detalhe: o perfil das crianças adotadas por casais homoafetivos não é limitado como o da maioria dos casais heteroafetivos. A maioria dos casais formados por dois homens ou duas mulheres adota crianças de qualquer idade, raça, origem e gênero. Não bastasse isso, alguns adotam dois ou três irmãos ao mesmo tempo para não separá-los.

O benefício do ganho econômico

Países que não promovem a homofobia e que combatem o preconceito e a discriminação por orientação sexual e de gênero têm menos custos para ‘compensar’ danos causados pela homofobia e pela transfobia a seus cidadãos.

Por outro lado, sociedades onde as pessoas LGBT nacionais ou estrangeiras são estigmatizadas perdem muito em diversos sentidos, mas um deles foi alvo de estudos pela Organização Mundial de Turismo (World Tourism Organisation), doravante OMT.

Segundo a OMT , a indústria do turismo LGBT é responsável por 211 bilhões de dólares, com a maior parte desse montante sendo gasto em países com posicionamentos que reafirmam os direitos das pessoas LGBT, notadamente a Austrália, Reino Unido, Canadá, França e EUA.

Na contramão desse levantamento, o Ministério do Turismo do Brasil, sob o comando do presidente Jair Bolsonaro, desdenhou esse segmento. Não bastasse isso, o próprio presidente chegou a equiparar o turismo LGBT ao turismo sexual – um equívoco digno de quem é absolutamente ignorante ou desonesto nessa matéria. Bolsonaro chegou a dizer que “o Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias”.

Na verdade, o turismo LGBT, mais do que nunca, atrai casais homoafetivos com e sem filhos para lugares que proporcionem a suas famílias turismo tão variado quanto aquele que vai do ecológico ao histórico-cultural, passando pelo gastronômico, entre outros.

Enquanto isso, a homofobia causa prejuízos financeiros e emocionais, como o aumento dos casos de suicídio entre pessoas que são submetidas à recorrente discriminação homofóbica. 


A garantia dos direitos LGBT, inclusive na forma do combate à discriminação, à violência verbal, física e simbólica, constrói ambientes onde a realização pessoal do indivíduo LGBT passa a ser plenamente possível e desejável, gerando felicidade, saúde e riqueza. Como é que isso poderia ser prejudicial a qualquer sociedade do planeta?

Mais uma vez, repito: Não há razão para se restringirem liberdades individuais, desde que estas não afetem outras liberdades igualmente fundamentais de terceiros. Opinião não é uma justificativa para tais restrições. Já quando se trata de homofobia, esta, sim, afeta diretamente a vida das pessoas LGBT, seja por meio das instituições civis, militares ou governamentais.

Quando uma família, sociedade ou governo homofóbico nega um direito fundamental a um cidadão por ele ser gay ou a uma cidadã por ela ser lésbica, essa família, sociedade ou governo está prejudicando diretamente a vida desses indivíduos, talvez até mesmo comprometendo sua existência. E as violações vão da mera sugestão de que há algo de errado com essas pessoas até o assassinato propriamente dito, e muitas vezes com requintes de crueldade.

Existem lugares no mundo onde esse assassinato é praticado pelo Estado, baseado em leis sanguinárias, muitas vezes produzidas por motivação religiosa/dogmática. E quando esse é o caso, a assassinato deixa de ser considerado um crime para ser visto como um procedimento legal. Curiosamente, nesses locais, não se vêem representantes religiosos fazendo alarde contra a imoralidade desse tipo de perseguição.

Ainda que esse tipo de tratamento persecutório contra a população LGBT seja considerado legal por sociedades obscurecidas por seus próprios dogmas religiosos, ele nunca será moralmente correto. A homofobia é intrinsecamente errada do ponto de vista moral e é profundamente danosa para a vida dos que são vitimados por ela, venha de onde vier. Ela é ainda pior quando praticada como política governamental, como é o caso de países como a Rússia com sua lei “anti-propaganda gay” ou como acontece na Arábia Saudita com prisão, tortura e execução de homossexuais em praça pública.


4. Como posso aceitar o que minha religião ou livro sagrado condena? 


Se existe uma razão realmente racional para justificar uma proibição, então não há necessidade de se recorrer a tradições, sejam quais forem.

O que acontece é justamente o oposto – alegações religiosas costumam ser usadas para impedir discussões baseadas em argumentos racionais e razoáveis.

O uso de chavões e jargões, bem como a repetição de trechos de livros sagrados, sem que se questione por que esses textos deveriam sequer ser considerados para coibir liberdades humanas, entre outras estratégias de silenciamento, não demonstram coisa alguma sobre a validade do dogmatismo desses interlocutores. Pregação, por si só, não prova ou demonstra coisa alguma.

E, na verdade, a maioria dos religiosos aceita coisas que seus livros sagrados condenam sem que tenham a menor noção disso. Muitos nem querem saber de tais proibições porque estas, sim, castrariam seu modo de vier. Portanto, quando afirmam que não podem aceitar o que seu livro sagrado condena, isso é apenas aplicado a terceiros 
– nesse casos os homossexuais. 



5. Por que essas pessoas optam pela homossexualidade?


Estudos científicos e a própria observação da história da humanidade, incluindo as experiências de milhões de pessoas contemporâneas a nós, têm demonstrado que o desejo sexual não é matéria de escolha. Não podemos escolher o que desejamos, mas podemos decidir o que faremos a partir desse ou daquele desejo. Isso vale tanto para homossexuais como para heterossexuais.

Por exemplo, um heterossexual não pode escolher não desejar mais alguém do outro sexo, mas pode decidir que tipo de relacionamento manterá com o objeto de seu desejo – se vai transar sem compromisso, se vai manter um relacionamento estável, se vai casar, ou até mesmo se vai ser celibatário. Nenhuma dessas escolhas, porém, altera sua orientação sexual. Ainda que uma pessoa heterossexual decida viver em celibato, ele/ela continuará desejando alguém do outro sexo, pois seu desejo permanecerá intacto, quer seja satisfeito ou negado. No caso da negação, a maioria desses indivíduos fará esforços fenomenais para não abandonar o celibato e se entregar ao amor com a pessoa desejada.

O mesmo vale para o homossexual e para o bissexual. Mesmo que sejam celibatários ou se casem com pessoa do gênero que não seja o alvo de seu desejo de fato, nunca mudarão sua orientação sexual. Muitos trairão os cônjuges que escolheram contra seu desejo mais íntimo e verdadeiro, abandonando ou não essa relação ‘oficial’ ao longo da vida. Não há pressão social que altere a orientação sexual de um indivíduo, seja ele hétero, homo ou bissexual.

Portanto, homossexuais não escolhem desejar alguém do mesmo sexo tanto quanto um heterossexual não escolhe desejar alguém do outro sexo. E se o desejo não é matéria de escolha, ele continuará ali, mesmo que reprimido por crenças castradoras. Reprimido, talvez, mas nunca suprimido ou transformado de fato.

E que ninguém se engane, pois haverá sempre custo elevado a ser pago por essa negação de si mesmo, pois se a orientação sexual for reprimida em seus desejos mais genuínos, sendo encarada como desejo continuamente irrealizado e irrealizável, quaisquer que sejam as circunstâncias, essa repressão ou recalque produzirá sintomas psíquicos e físicos profundamente danosos a esse indivíduo.


6. A homossexualidade é contra a natureza?

Primeiramente, é necessário estabelecer o que querem dizer com isso os que geralmente recorrem às epístolas paulinas ou aqueles que têm sido influenciados por discursos baseados nelas sem sequer perceberem quão redondamente equivocado é o pressuposto religioso que citam ou parafraseiam irrefletidamente.

Para começo de conversa, o que significa dizer que um afeto ou comportamento é “contra a natureza”? 


Seria algo que vai contra supostas “regras” naturais? 

Onde estariam estabelecidas tais regras? 

A resposta é simples: Em lugar nenhum, pois a natureza não tem manual de etiqueta ou manual de instruções sobre como utilizar seus “equipamentos”.

Se os que usam esse termo pretendem pretendem dizer que as relações homoafetivas contrariam a natureza, essas pessoas precisam explicar, então, por que tantas espécies de mamíferos, aves e peixes, por exemplo, contam com indivíduos que mantém relações sexuais com outros do mesmo sexo, inclusive estabelecendo relações estáveis ou vitalícias. São mais de 1.500 espécies (Super Interessante), que incluem até moluscos, répteis, anfíbios, insetos e até vermes. Não é coisa só de mamíferos. Não mesmo, mas se fosse, já seria o suficiente para nos perguntarmos de onde tiraram essa ideia de que é "contra a natureza"? De algum ignorante capaz de registrar sua própria ignorância com tinta e pergaminho.

Agora, se as relações entre indivíduos do mesmo sexo são contra a natureza, de onde vem todos esses? Por que a natureza estaria repleta de espécies que contam com numerosos indivíduos que se relacionam com outros do mesmo sexo ou gênero? Olhando pelo viés do natural, a homossexualidade não é nenhum alienígena, no final das contas.

O problema desses religiosos dogmáticos parece ser a ideia de que o órgão masculino foi feito para o órgão feminino, ou vice-versa. Acontece que essa ideia é uma imposição interpretativa que parte do pressuposto de que um criador teria feito cada coisa para uma finalidade, inclusive no que diz respeito à anatomia do corpo humano – um equívoco recorrente entre criacionistas, mas que ainda povoa o inconsciente até de quem já renunciou à crença na existência de um deus ou a neurose de que algum deus talvez se preocupasse com o que dois seres humanos livres e em consentimento mútuo fazem na cama.

Entretanto, não descartemos imediatamente a objeção daqueles que acreditam que a homossexualidade seria incompatível com as dinâmicas que compõem o processo evolutivo. Essas pessoas geralmente pensam que se a homossexualidade não produz descendentes, então ela não pode ser compatível com a teoria da evolução. Contudo, aqui vai uma “supresinha”: A evolução não desfavorece e nem é desfavorecida pela homoafetividade humana ou pelas relações sexuais entre indivíduos exclusivamente homossexuais. E isso parece ser verdadeiro para outras espécies também. Afinal de contas, elas estão aí para serem observadas até hoje.

A revista Exame publicou em 2015 um artigo sobre um estudo científico, ainda não conclusivo, que sugere que a homossexualidade também conta com vantagens evolutivas. Essa não é a única teoria. Existem outras. Uma dela diz que ter indivíduos gays entre os parentes favorece a família. Essa teoria é conhecida também como a teoria dos “cuidadores” ou “ajudantes do ninho”, como reportado pelo site Terra.

Obviamente, esses são apenas dois exemplos de como as relações entre indivíduos do mesmo gênero/sexo dentro de uma mesma espécie não colocam a espécie em risco, mas, pelo contrário, podem favorecê-la. Outros estudos estão em andamento e provavelmente nos trarão mais luz sobre esse tema no futuro.

Sendo assim, dizer que a homossexualidade é “contra a natureza” não passa de mais uma alegação desprovida de racionalidade, razoabilidade e fundamentação científica.

Além disso, por que utilizar o termo “contra a natureza” arbitrariamente para desmerecer a homossexualidade, enquanto fazemos uma infinidade de coisas que estão longe de poderem ser consideradas “naturais” – todas elas bem diferentes da homossexualidade, já que não se encontram entre outras espécies, como é o caso desta. Tudo indica que a homossexualidade tem caracterizado indivíduos de nossa própria espécie, assim como nossos ancestrais evolutivos muito antes que descessem das árvores?

Tomemos, por exemplo, nossos alimentos (comida e bebida). A maioria deles não é consumida como se apresenta na natureza. Quando não são totalmente industrializados 
 como os salgadinhos, artificialmente aromatizados e saborizados, que chegam às nossas mãos em embalagens plásticas ou de aluminadas , nossos alimentos são geralmente modificados geneticamente ou passam por cruzamentos induzidos pelo ser humano. Cruzamentos esses que provavelmente jamais ocorreriam entre animais e vegetais em habitat natural. E ao que parece, as pessoas geralmente não se sentem pecadoras por ingerirem tais alimentos artificialmente produzidos ou intencionalmente manipulados. 

Outra coisa que faz parte do nosso cotidiano – mas que não é “natural” – é a vacinação. As vacinas, essas adoráveis invenções que previnem tantas doenças e impedem a morte de tanta gente (eu provavelmente não estaria escrevendo esse texto se não fossem as vacinas que tomei ao longo da vida), não são encontradas in natura no mundo que nos rodeia.

Na verdade, nenhum outro animal desenvolveu tecnologia para manipular microorganismos e produzir vacinas que despertem o corpo para combater os mais variados microorganismos invasores. O natural seria morrermos de tifo, tétano, hepatite B, gripe, meningite, mas o que fazemos é justamente não aceitar o aparente “destino” que a natureza nos impõe, e nos colocamos a inventar meios de impedir o curso “natural” dessas coisas.

Qual é a moral da história, então?

É simples: Não há justificativa para a ideia de que a homossexualidade seja contra a natureza, como se estivesse em desacordo com alguma suposta ordem natural, uma vez que na própria natureza, são inúmeras as espécies que apresentam relações entre parceiros do mesmo sexo, sendo mais de 1.500 já conhecidas. Onde está a demonstração de que isso poderia ser considerado moralmente ruim, negativo ou condenável, como alegado por religiosos homofóbicos e outros neuróticos em relação à sexualidade humana?

Em outras palavras, a alegação de que a homossexualidade é moralmente errada, sob o pretexto de que se trata de um “comportamento” contra a natureza, não faz o menor sentido. Pelo contrário, o multifacetado processo evolutivo inclui (não exclui) a parceria entre indivíduos do mesmo sexo em suas dinâmicas biopsicossociais.


7. A homossexualidade pode ser curada, revertida ou convertida?

Não. Assim como a heterossexualidade e a bissexualidade, ela não pode ser curada porque não é doença.

A homossexualidade não pode ser revertida, pois reversão significa que há um estado original do qual o indivíduo se desviou e para o qual poderia ser redirecionado. Essa é uma das mais repetidas falácias da heteronormatividade. Não existe padrão, hierarquização ou prescrição seja de uma ou de outra orientação sexual. A sexualidade humana é diversa por definição: a heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade co-existem naturalmente entre humanos sem qualquer hierarquização imposta pela natureza. Elas simplesmente são. E ao que parece as relações entre parceiros do mesmo sexo estão aí desde que as espécies desenvolveram órgãos sexuais ou o que os valha.

As diversas fracassadas tentativas de modificação do desejo sexual apontam para o fato de que a homossexualidade não pode ser "convertida". Todas essas tentativas resultaram em danos graves e até mesmo irreparáveis para os indivíduos submetidos a elas.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), por exemplo, se posiciona clara e veementemente contra qualquer tentativa de alterar a orientação sexual de uma pessoa. No site oficial do CFP, encontramos o seguinte:

O que é a Resolução 01/99?

A cada 25 horas um (a) brasileiro (a) é barbaramente assassinado (a) vítima da “LGBTfobia” (Relatório de 2016 do Grupo Gay da Bahia). Essa realidade violenta, que coloca o Brasil na liderança mundial de crimes contra minorias sexuais, demonstra o quanto o país ainda precisa avançar na defesa da garantia dos direitos de cidadania àqueles (as) que têm orientações sexuais e identidades de gênero fora dos padrões heteronormativos.

A Psicologia, enquanto ciência e profissão, tem historicamente se posicionado em defesa dos direitos LGBT. Há 18 anos, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) formalizou por meio da Resolução nº 01/1999o entendimento de que para a Psicologia a sexualidade faz parte da identidade de cada sujeito e, por isso, práticas homossexuais não constituem doença, distúrbio ou perversão.

Desde então, o CFP tem promovido diversas ações nas áreas de comunicação e jurídicas relacionadas à defesa dos direitos LGBT e à conscientização, especialmente para os profissionais de saúde, de que as homossexualidades e as expressões trans não podem ser tratadas como patologias.

Este ano, para marcar o Dia Internacional do Orgulho LGBT, celebrado em 28 de junho em diversos países, o Conselho Federal de Psicologia lançou a campanha “A Psicologia respeita a diferença – Dia do Orgulho LGBT”.


No dia 17 de maio de 1990, a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou que a homossexualidade não é doença e que não consta mais de sua lista internacional de doenças. Foi por causa dessa decisão que se convencionou celebrar o Dia Internacional de Combate à Homofobia e Transfobia no dia 17 de maio.

Muitas dessas “terapias de conversão” foram aplicadas em manicômios do Brasil, como foi o caso do Hospital Pinel até 1945, quando passou ao controle do Estado e deixou de internar homossexuais em razão de sua orientação sexual. Antes disso, esses indivíduos eram submetidos a choques, drogas e outras formas de tortura.

Ao longo da história, a medicina foi utilizada para oprimir pessoas homossexuais, bissexuais e transgêneras. Foram testadas operações que danificavam o cérebro dos homossexuais deixando-os em situação deplorável e sem poderem sequer cuidar de si mesmos. Sugiro que assistam esse bate-papo comigo e o psicólogo Jean Ícaro, no qual falo sobre “cura gay” e fundamentalismo religioso.

Muitos países, em diversos momentos da história, utilizaram esses métodos e criaram até mesmo programas de governo com a intenção de converterem homossexuais em heterossexuais sob o pretexto de que isso os tornaria cidadãos “saudáveis” e “dignos de seus países”. Exemplos disso foram tão diversos quanto a Alemanha nazista, com seus campos de concentração; a Inglaterra de Alan Turing, que o castrou quimicamente; a nova Cuba de Fidel, com seus campos de reeducação para homossexuais; a União Soviética, com trabalhos forçados na Sibéria; os Estados Unidos de J. Edgar Hoover (FBI), que fichava homossexuais e inviabilizava seus empregos, só para citar duas conseqüências dessa política de discriminação; o Brasil, com internações manicomiais compulsórias e prisão sob o pretexto de “vadiagem”, uma vez que não havia tipificação criminal para enquadrar a homossexualidade de outra maneira no código penal brasileiro.

E esses países são apenas alguns dos muitos que perseguiram homossexuais em pleno século vinte. Não vou nem dedicar espaço aqui a períodos anteriores, como a Idade Media, a era dos descobrimentos e invasões, a expansão do imperialismo britânico (mais vitoriano deles), etc. Nesses períodos da história, nem se falava em "conversão" de homosssexuais em heterossexuais, mas apenas em prisão, tortura e execução.

Defensores da chamada “cura gay” não passam de fanáticos que atuam sem qualquer fundamentação científica. Grupos de “terapias de reversão” já assumiram que tais práticas resultam em danos graves à psiquê humana e não atingem o objetivo de transformar a sexualidade de ninguém. E por que deveriam? 


Cito aqui maior e mais antigo desses grupos – a Exodus Internacional, mas líderes de outras organizações fizeram coisas semelhantes ou apenas saíram do armário, como foi o caso do líder da organização Love in Action, e como aconteceu com a organização australiana Living Waters.

Os danos provocados por tais práticas anti-científicas ou pseudo-científicas já são consenso em vários países desenvolvidos. Leis proibindo que se submetam crianças e adolescentes a tais tormentos tem sido aprovadas em diversos estados americanos. No momento em que escrevo esse artigo, dezesseis estados dos Estados Unidos já haviam banido as “terapias de conversão” para menores de idade. O décimo-sexto estado foi Massachussetts até 09/04/19.


Conclusão:


Levando-se em consideração tudo o que foi discutido até aqui, não há justificativa racional, razoável e cientificamente fundamentada que justifique qualquer proibição a que dois indivíduos do mesmo sexo se relacionem erótica ou romanticamente. Não há justificativa racional, razoável e cientificamente fundamentada para que se tolere a discriminação desses indivíduos em qualquer esfera da vida pública ou privada, seja política, social, econômica ou culturalmente. E sendo injustificável promover ou tolerar qualquer constrangimento a esses indivíduos em seu direito à autonomia, livre expressão e construção de biografias condizentes com sua sexualidade e afetos, é absolutamente justo e útil que se produzam mecanismos que coíbam a homofobia e que promovam políticas inclusivas com vistas à paz social, tanto de modo afirmativo – através da educação, por exemplo – como de modo negativo, como é o caso das leis que punem os crimes de homofobia na categoria de crimes hediondos por serem praticados por motivo torpe e com ou sem requintes de crueldade. Leis que estipulem penalidades mais leves aos que praticam tipos menos letais de crime de ódio contra pessoas homossexuais e bissexuais também são necessárias e urgentes.

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